A morte é irmã gémea da vida

A morte é irmã gémea da vida

Dor de cabeça, olhos inchados… Não vejo bem!
As letras parecem tortas, mas quero escrever a erupção das lágrimas que honram o fado do luto.
Estou baralhada, vazia, aflita! Um aperto no peito! Quase não consigo respirar.
– O que aconteceu?
Partiu! O Picasso já não está aqui. Picasso! Picasso! Picasso!
Choro até ao desespero total! Partiu!
O melhor amigo, o apoio, o professor, o companheiro…
Para ele cantei até ao momento da despedida:
– O meu Picasso é tão lindo. É tão lindo o meu Picasso.
Fica com todos os beijos e o perfume do nosso abraço. I love you!
– A tua lealdade irrevogável!
A tua presença luminosa! Obrigada! Obrigada, meu adorado!
Foste feliz? Só isso interessa. Só isso é importante, relevante, fundamental. Foste feliz?
Tenho memórias mais valiosas do que qualquer pipeta de ouro ou diamante especial.
Posso alugar a vossa atenção? Por uns minutos? Obrigada!
Talvez assim consiga mitigar a solidão desafinada. Eu fazia de tudo para ser pontual.
O relógio da Igreja via-me passar. Não falhava. Cinco badaladas?
Hora de bailarico em casa da Luísa. À chegada:
– Quem quer biscoitos?
Aquela língua pendurada com um sorriso de orelha a orelha!
Pegava nele para dançarmos ao ritmo afortunado de dois corações entrelaçados. Era, simplesmente, mágico!
Um dia, para “folgar as costas”, marquei uma massagem. Saí do trabalho e…
– Ahhhh, vai saber-me às 1000 maravilhas!
Deitada na marquesa, a quietude irritava o pensamento:
-Alguém estranha o atraso! Picasso, esperas um pouquinho?
Relaxei? Ansiedade elevada ao cubo! Só queria sair dali e correr para o melhor da causa existencial.
O portão começou a deslizar…logo uma cabeça veio espreitar!
Ladrou, rosnou. Percebi o recado!
Como indemnizar? Levei-o ao rio Mondego. Foi a loucura.
O seu “arfar saltitante” confessava uma euforia, infinitamente, deslumbrada!
Estava leve. Nadava. Irradiava liberdade! Noutra ocasião levei-o a conhecer a praia.
Ficou apaixonado pela imensidão…tanta areia!
Contudo, a coragem de quem só tinha três patas foi derrubada pela bravura das ondas traiçoeiras.
Ganhou medo? Provavelmente. Resgatei-o.
Toalha, lanche, mimo… Penteava-lhe os pelos erriçados…
Ele, de cabeça pendurada na minha perna, suspirava gratidão:
– Obrigado, Lu! Obrigado por estares aqui.
Os dois, com o Sol a puxar os lençóis no horizonte, em oração, pedimos:
– Que este pedaço de vida fique na eternidade do “para sempre” e além terra.
Conseguem ver a fotografia? Não carece de legenda, pois não?
Nem tenho palavras! Como posso descrever uma união abençoada?
Já disse, mas repito:
– Com o Picasso, aprendi a contemplar.
As noites de Verão… coladinhos um ao outro, deitados no chão quente… contar as estrelas… ouvir as cigarras. O que é isto se não amor?
Quando atravesso a floresta, berço de aventuras hilariantes, descobertas fascinantes, histórias de encantar…
Choro!
– Lembras-te quando pulei e assobiei junto à árvore da sabedoria?
A tua paciência! Gostavas da performance ou reconhecias ausência de juízo?
Apareceu uma raposa, não foi? Foste um herói!
Ao céu reclamo o nosso abraço. Tenho saudades.
Foi tão bom viver a teu lado! Obrigada!
Sinto o cheirinho do meu Picasso.
– Queres que cante?
Consegues ouvir? I love you!
Será que andas a sobrevoar a tristeza que me derruba?
Ahhh, um balão de ar quente! Estás aí? Com a língua pendurada e o sorriso de orelha a orelha?
– Luísa, respira fundo. Pés no chão.
É urgente aceitar. O teu par precisava de escalar o arco-íris da salvação.
Custa muito. Custa muito, muito, muito. Dói até à inexistência do sentir!
Esqueço-me de que ele não está no sofá. Esqueço-me de que não é urgente o regresso a casa.
Esqueço-me! Volta o aperto no peito!
O relógio da igreja perdeu vigor. Já não há dança nem festa, mas eu aconchego-me em ti…
– Pureza do Mundo! Vamos continuar a dizer:
Amo-te!
Choro!
Canto!
Sofro!
Testemunho emoções sufocantes! A morte é irmã gémea da vida.
Eis a razão do veredito – dar o meu melhor, a mim e aos outros.
Olho lá para trás… Nem sempre consegui, nem sempre tentei.
Mesmo hoje… é difícil… dar o melhor de mim… Pergunto, uma vez mais:
– Picasso, foste feliz?
Espero ter sido boa camarada!
Desembrulhei alguma ferida na tua alma?
Perdoa-me, por favor! É importante – pedir perdão!
O que é pedir perdão? O que é o perdão? O que é?
Vou ver ao dicionário.
Depois continuamos, sim?

Obrigada pela compreensão.

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