A MORTE É IRMÃ GÉMEA DA VIDA

Dor de cabeça, olhos inchados... Não vejo bem! As letras parecem tortas, mas quero escrever a erupção das lágrimas que honram o fado do luto.

9/27/20243 min read

Dor de cabeça, olhos inchados... Não vejo bem!

As letras parecem tortas, mas quero escrever a erupção das lágrimas que honram o fado do luto.

Estou baralhada, vazia, aflita!

Um aperto no peito! Quase não consigo respirar.

- O que aconteceu?

Partiu!

O Picasso já não está aqui. Picasso! Picasso! Picasso!

Choro até ao desespero total!

Partiu!

O melhor amigo, o apoio, o professor, o companheiro…

Para ele cantei até ao momento da despedida:

- O meu Picasso é tão lindo. É tão lindo o meu Picasso.

Fica com todos os beijos e o perfume do nosso abraço.

I love you!

- A tua lealdade irrevogável!

A tua presença luminosa!

Obrigada! Obrigada, meu adorado!

Foste feliz? Só isso interessa. Só isso é importante, relevante, fundamental.

Foste feliz?

Tenho memórias mais valiosas do que qualquer pipeta de ouro ou diamante especial.

Posso alugar a vossa atenção? Por uns minutos?

Obrigada!

Talvez assim consiga mitigar a solidão desafinada.

Eu fazia de tudo para ser pontual.

O relógio da Igreja via-me passar.

Não falhava. Cinco badaladas?

Hora de bailarico em casa da Luísa.

À chegada:

- Quem quer biscoitos?

Aquela língua pendurada com um sorriso de orelha a orelha!

Pegava nele para dançarmos ao ritmo afortunado de dois corações entrelaçados.

Era, simplesmente, mágico!

Um dia, para “folgar as costas”, marquei uma massagem.

Saí do trabalho e…

- Ahhhh, vai saber-me às 1000 maravilhas!

Deitada na marquesa, a quietude irritava o pensamento:

-Alguém estranha o atraso! Picasso, esperas um pouquinho?

Relaxei?

Ansiedade elevada ao cubo! Só queria sair dali e correr para o melhor da causa existencial.

O portão começou a deslizar…logo uma cabeça veio espreitar!

Ladrou, rosnou.

Percebi o recado!

Como indemnizar?

Levei-o ao rio Mondego. Foi a loucura.

O seu “arfar saltitante” confessava uma euforia, infinitamente, deslumbrada!

Estava leve. Nadava. Irradiava liberdade!

Noutra ocasião levei-o a conhecer a praia.

Ficou apaixonado pela imensidão…tanta areia!

Contudo, a coragem de quem só tinha três patas foi derrubada pela bravura das ondas traiçoeiras.

Ganhou medo?

Provavelmente.

Resgatei-o.

Toalha, lanche, mimo…

Penteava-lhe os pelos erriçados…

Ele, de cabeça pendurada na minha perna, suspirava gratidão:

- Obrigado, Lu! Obrigado por estares aqui.

Os dois, com o Sol a puxar os lençóis no horizonte, em oração, pedimos:

- Que este pedaço de vida fique na eternidade do “para sempre” e além terra.

Conseguem ver a fotografia?

Não carece de legenda, pois não?

Nem tenho palavras! Como posso descrever uma união abençoada?

Já disse, mas repito:

- Com o Picasso, aprendi a contemplar.

As noites de Verão…coladinhos um ao outro, deitados no chão quente… contar as estrelas…ouvir as cigarras. O que é isto se não amor?

Quando atravesso a floresta, berço de aventuras hilariantes, descobertas fascinantes, histórias de encantar…

Choro!

- Lembras-te quando pulei e assobiei junto à árvore da sabedoria?

A tua paciência!

Gostavas da performance ou reconhecias ausência de juízo?

Apareceu uma raposa, não foi? Foste um herói!

Ao céu reclamo o nosso abraço.

Tenho saudades.

Foi tão bom viver a teu lado! Obrigada!

Sinto o cheirinho do meu Picasso.

- Queres que cante?

Consegues ouvir?

I love you!

Será que andas a sobrevoar a tristeza que me derruba?

Ahhh, um balão de ar quente! Estás aí? Com a língua pendurada e o sorriso de orelha a orelha?

- Luísa, respira fundo. Pés no chão.

É urgente aceitar. O teu par precisava de escalar o arco-íris da salvação.

Custa muito. Custa muito, muito, muito.

Dói até à inexistência do sentir!

Esqueço-me de que ele não está no sofá.

Esqueço-me de que não é urgente o regresso a casa.

Esqueço-me!

Volta o aperto no peito!

O relógio da igreja perdeu vigor. Já não há dança nem festa, mas eu aconchego-me em ti…

- Pureza do Mundo! Vamos continuar a dizer:

Amo-te!

Choro!

Canto!

Sofro!

Testemunho emoções sufocantes!

A morte é irmã gémea da vida.

Eis a razão do veredito - dar o meu melhor, a mim e aos outros.

Olho lá para trás…

Nem sempre consegui, nem sempre tentei.

Mesmo hoje…é difícil…dar o melhor de mim…

Pergunto, uma vez mais:

- Picasso, foste feliz?

Espero ter sido boa camarada!

Desembrulhei alguma ferida na tua alma?

Perdoa-me, por favor!

É importante – pedir perdão!

O que é pedir perdão?

O que é o perdão?

O que é?

Vou ver ao dicionário.

Depois continuamos, sim?

Obrigada pela compreensão.